Movimento egípcio começou com indignação e uma página no Facebook
Movimento de repúdio à morte de Khaled Said, espacando até a morte por policiais à paisana, impulsionou revolta contra o governo
Se a revolta que emergiu no Egito tem rosto, ele é o de Khaled Said. O
empresário egípcio de 28 anos de idade foi retirado de um cibercafé em
Alexandria em junho por dois policiais à paisana, que o espancaram até a
morte no saguão de um edifício residencial, depois que souberam que ele
havia publicado um vídeo no seu blog pessoal mostrando-os com drogas
ilegais.
A polícia e os serviços de segurança do país têm uma merecida
reputação de brutalidade e exterminação da oposição política. Mas, com
Said, eles inadvertidamente escolheram o alvo errado.
Em menos de cinco dias após a sua morte, um - até então - anônimo
militante dos direitos humanos criou a página no Facebook We Are All
Khaled Said (Nós Somos Todos Khaled Said, em tradução livre), na qual
publicou fotos tiradas com um celular de seu rosto espancado e
ensanguentado no necrotério, o vídeo dos policiais corruptos e outros
vídeos do YouTube, contrastando o seu cadáver com fotos de seu rosto
sorridente em dias mais felizes. Na terça-feira, Wael Ghonim, chefe de
marketing do Google no Oriente Médio e na África, confirmou ser um dos
administradores da página. Em meados de junho, 130 mil pessoas haviam
entrado na página para obter e compartilhar novidades sobre o caso.
Foto: AP
Policiais cercam manifestantes que protestam contra morte de Khaled Said, em Alexandria, Egito
Essa se tornou e continua a ser a maior página do Facebook de
dissidentes do Egito, com mais de 473 mil usuários, e tem ajudado a
informar sobre as manifestações no país, que foram iniciadas após uma
revolta na vizinha Tunísia ter derrubado o governo local. "Houve muitos
catalisadores para a revolta", disse Ahmed Zidan, um ativista político
marchando em direção a Praça Tahrir para um protesto na semana passada.
"O primeiro foi o assassinato brutal de Khalid”, disse.
A rebelião da Tunísia foi acionada depois que um vendedor de frutas,
Mohamed Bouazizi, incendiou a si próprio até a morte depois de ser
humilhado pela polícia. Seu ato de desespero levou a protestos, que
foram gravados em celulares, publicados na Internet, compartilhados no
Facebook e, eventualmente, transmitidos pela Al-Jazeera.
Fórum
Mas a morte de Said pode ser o exemplo mais forte do poder especial
das ferramentas de redes sociais como o Facebook, mesmo – ou
principalmente –, em um Estado vigiado. A página do Facebook criada em
torno de sua morte ofereceu aos egípcios um fórum incomum onde
comparitlhar sua indignação sobre os abusos do governo.
"Antes do assassinato de Khaled Said, havia blogs e vídeos no YouTube
sobre a tortura policial, mas não havia uma forte comunidade em torno
deles", disse Jillian C. York, coordenador do projeto Iniciativa OpenNet
do Centro Berkman para Internet e Sociedade, da Universidade de
Harvard. "Este caso mudou isso".
Embora seja quase impossível isolar o impacto das ferramentas de
mídias sociais da turbulência geral dos eventos que desencadearam as
revoltas populares em todo o Oriente Médio, há pouca dúvida de que elas
forneceram um novo meio para as pessoas comuns se conectarem com os
defensores dos direitos humanos que tentam reunir apoio contra o abuso
policial, a tortura e as leis de emergência permanente do governo do
presidente Hosni Mubarak, que permitem que as pessoas sejam presas sem
acusações.
O Facebook e o YouTube também oferecem uma maneira para os
descontentes se organizarem e mobilizarem – e permitiu que jovens de
mentalidade laica aproveitassem um momento de relativa neutralização da
oposição no Egito.
Muito mais descentralizada do que os partidos políticos, a força e a
agilidade das redes claramente pegou as autoridades egípcias – e os
analistas de inteligência dos Estados Unidos – de surpresa, mesmo que o
governo egípcio tenha tentado fechá-las rapidamente.
Ofensa
Said, que era de uma família de classe média e trabalhava no ramo de
importação e exportação, não era um ativista e tampouco estava envolvido
em política: ele simplesmente se sentiu ofendido com a corrupção que
viu. Depois que os policiais mentiram para sua família, dizendo que ele
estava envolvido com drogas e morreu de asfixia ao engolir um pacote de
maconha enquanto estava custódia, testemunhas vieram a público, contando
suas histórias em vídeos no YouTube. Fotos tiradas com celulares do
rosto machucado de Said começaram a circular e ofereceram provas que,
eventualmente, as autoridades não puderam ignorar.
"O que torna esse caso diferente é que Khaled Said era apenas uma
pessoa comum", disse Gamal Eid, 47 anos, advogado e diretor-executivo da
Rede Árabe de Informação de Direitos Humanos, no Cairo. "Ele era apenas
um cara que encontrou provas de corrupção e as publicou. Então, quando
as pessoas descobriram o que aconteceu com ele, quando viram fotos de
seu rosto, ficaram com muita raiva".
Eid disse que Facebook, YouTube, Twitter e celulares tornaram fácil
para os defensores dos direitos humanos transmitir as notícias e para as
pessoas comuns discutirem a sua indignação sobre a sua morte em um país
onde a liberdade de expressão e o direito de reunião são limitados e o
governo controla jornais e televisão estatais.
"Ele é uma grande parte da nossa revolução", disse Hudaifa Nabawi, um
estudante de 20 anos de idade na Praça Tahrir, no sábado. "Khalid Said
foi um caso especial. Ele não pertence a nenhuma facção e não fez nada
de errado. Ele tornou-se a maneira de concentrarmos nossas percepções em
torno da opressão que toda a juventude enfrenta. Você pode considerá-lo
um símbolo".
Usuários
O Facebook tem sido a ferramenta de rede social escolhida pelos
ativistas de direitos humanos no Egito. Há 5 milhões de usuários do
Facebook no Egito, o maior contingente em qualquer país do Oriente Médio
ou do norte da África.
Seu poder e importância tem sido construído há anos. Em 2008, o
Movimento da Juventude do 06 de Abril usou o Facebook para obter mais de
70 mil apoiadores para chamar atenção aos trabalhadores em greve em
Mahalla Al-Kobra, no Egito.
Nos últimos dois anos, esse e outros movimento defensores de direitos
humanos se voltaram para o Twitter e o YouTube, o terceiro site mais
visitado no Egito, depois do Google e do Facebook. O YouTube, que
defensores dos direitos humanos têm usado para publicar dezenas de
vídeos mostrando a tortura e os abusos da polícia egípcia, tem evoluído
como uma ferramenta extremamente poderosa de mídias sociais, conforme
mais pessoas se tornaram capazes de capturar e compartilhar vídeos
através de telefones celulares.
Quando o vídeo feito por Said, dos policiais corruptos com drogas foi
publicado no YouTube no dia 11 de junho de 2010, um membro do Movimento
da Juventude do 06 de abril deixou uma mensagem em árabe no vídeo que
diz: "Somos Khaled. Cada um de nós pode ser Khaled".
A mensagem encorajava as pessoas a agirem contra o abuso policial, a
tortura e dizer não às "agressões da polícia". O vídeo foi visto mais de
500 mil vezes desde junho e gerou dezenas de outros vídeos sobre Said,
incluindo canções de rap e apresentações solenes.
Investigação
Em junho, além de fornecer atualizações regulares sobre a
investigação da polícia sobre a morte de Said no Facebook, o
administrador anônimo da página começou a publicar convites para que
todos participassem de protestos nas ruas de Alexandria e do Cairo, que
se espalharam para outras nove cidades. Mohamed ElBaradei, o ex-chefe da
Agência Internacional de Energia Atômica e Prêmio Nobel da Paz, foi um
dos milhares presentes no protesto em Alexandria.
Com a conversa em redes sociais sendo traduzida em protestos de rua –
e com as evidências bem documentadas do abuso policial publicadas
online para centenas de milhares de espectadores – os promotores foram
forçados a prender os dois policiais no início de julho, em conexão com a
morte de Said. Mas o caso continua sem resolução.
Outros egípcios continuaram a morrer nas mãos da polícia no verão
passado. Os protestos continuaram, primeiro semana sim e semana não, e
depois esporadicamente no outono passado, até que a Tunísia se revoltou e
então o grupo do Facebook do Movimento da Juventude do 06 de abril e a
página do Facebook We Are All Khaled começaram a convidar os egípcios
para um protesto geral no dia 25 de janeiro.
Dando sinais da percepção crescente do governo de Mubarak sobre o
importante papel que as mídias sociais estão tendo no Egito, os
apoiadores de Mubarak começaram a entrar nos debates da página dedicada a
Khaled Said no Facebook logo depois que a Internet foi restabelecida no
país na semana passada.
Agora há mensagens e comentários no mural atacando os manifestantes
contrários ao governo, exigindo que Mubarak receba uma chance e
disseminando desinformação, inclusive que o protesto do Dia da Partida
na sexta-feira passada havia sido cancelado.
Mas isso não bastou para deter os manifestantes. "Se você acha que
pode ir no Facebook e dizer ao povo para ir para casa, é tarde demais",
disse Omar Ghoneim, 32 anos, que caminhava em direção ao protesto na
sexta-feira usando dois curativos na mão direita por jogar bombas de gás
lacrimogêneo de volta na polícia.
*Por Jennifer Preston, com contribuição de David D. Kirkpatrick, Kareem Fahim e Anthony Shadid
fonte: http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/nyt/movimento+egipcio+comecou+com+indignacao+e+uma+pagina+no+facebook/n1237996180486.html
TCC SOBRE ESSE EVENTO:
AS REDES SOCIAIS E A REVOLUÇÃO EM TEMPO REAL